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Barra do Quaraí: Fraude no Bolsa Família beneficia estrangeiros e até mortos
Uma fraude envolvendo o Bolsa Família, do governo federal, está beneficiando estrangeiros, funcionários públicos e até mesmo pessoas que já morreram no Rio Grande do Sul. No município de Barra do Quaraí, na fronteira com o Uruguai, golpistas usam endereços falsos para se cadastrar no programa, inclusive terrenos onde existem apenas antenas de telefone e caixas d`água, como mostra a reportagem do Teledomingo (veja o vídeo).
Pelo menos 367 famílias do município de cerca de quatro mil habitantes recebem o auxílio do Bolsa Família, criado exclusivamente para contemplar pessoas de baixa renda. Pedro Daniel Idiarte é um dos beneficiados. Saques feitos no nome dele este ano constam no Portal da Transparência. No entanto, Idiarte reside em Bella Unión, cidade vizinha, no Uruguai. Em um diálogo gravado com uma microcâmera, ele forneceu seu endereço correto.
Outras seis pessoas que dizem morar em Barra do Quaraí foram localizadas em Bella Unión. Entre elas está Adalberto, que registrou como residência um terreno baldio. Uma outra casa, que pertence ao pedreiro André Ferreira, é a campeã no ranking dos endereços falsos. Mais de 30 pessoas afirmam morar no local. O verdadeiro proprietário, no entanto, se espanta com o esquema. “A casa está abandonada. Não tem nenhum morador aqui. Agora que estou arrumando para morar”, conta Ferreira.
Três pessoas aparecem como moradores em um terreno onde existe apenas uma caixa d`água. Conforme documentos fornecidos pelo Ministério Público, outras quatro dizem morar em um local onde há apenas uma antena de telefone. “Não tenho conhecimento nenhum que tenha alguém morando nesse local. Nunca morou ninguém”, afirma o aposentado Arlindo Simionato.
No cemitério de Barra do Quaraí, outra fraude desvendada. Saques em nome de Márcia Ortiz Dedéco, falecida em março de 2010, foram realizados até janeiro deste ano, de acordo com o Portal da Transparência. A irmã de Márcia, Cláudia Ortiz Dedéco, trabalha desde 2004 na Secretaria de Assistência Social do município, onde são feitos os cadastros para receber o Bolsa Família. Ela seria uma das responsáveis pelo programa na cidade, mas não soube explicar por que os valores continuaram sendo pagos à irmã. Cláudia não quis gravar entrevista.
Na lista do Bolsa Família no município também estão 29 funcionários da prefeitura. Estagiários, auxiliares administrativos e até pessoas com cargos de chefia fazem parte da relação. É o caso de Eliane Senoranes, que aparece em documentos oficiais como chefe da seção. “Sou eu que recebo, eu mesmo. Quando me inscrevi, não trabalhava, era desempregada e permaneci”, justificou a colaboradora.
O vice-prefeito da cidade, Danilo Rodrigues (PT), não vê problema em contemplar funcionários públicos. “O cidadão pode estar trabalhando na prefeitura ou numa empresa particular, mas a renda pode ser divida pelo número de pessoas que residem no domicílio. Se for inferior a R$ 140, a pessoa tem direito ao benefício do Bolsa Família”, argumenta Rodrigues.
Porém, Eliane recebe um salário de R$ 787,79, tem uma filha e mora com os pais, donos de um armazém. Mesmo que ninguém mais trabalhasse na família, e todos dependessem dela, ainda assim a situação não se encaixaria nas regras do programa.
O vice-prefeito também foi secretário de Assistência Social de Barra do Quaraí e gestor do Bolsa Família até o ano passado. Ele se mostrou surpreso e disse não saber nada sobre as suspeitas sobre estrangeiros recebendo auxílio. “Uruguaios recebendo eu desconheço”, afirmou. O prefeito Iad Sholi (PSB) estava em uma viagem oficial ao Uruguai, conforme informou a prefeitura.
O esquema já está sendo investigado pelo Ministério Público e pela Polícia Federal. Para ambos, os problemas no município gaúcho estão diretamente ligados a fraudes eleitorais. “Uruguaios ganham Bolsa Família, ganham aposentadoria e, em troca, se inscrevem como eleitores. Na próxima eleição, dão o voto a quem presta esse favor”, defende o promotor Rodrigo de Oliveira Vieira.
A Polícia Federal quer descobrir quanto dinheiro público foi gasto com pessoas que não poderiam ser contempladas. “O que fica identificado é que a fraude está ocorrendo, comprovadamente, trazendo prejuízo a brasileiros que efetivamente necessitam do benefício, que não têm como sobreviver”, ressalta o delegado André Luiz Epifânio.
O programa Bolsa Família completou dez anos em outubro. Desde 2003, quando foi criado pelo então presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, o número de beneficiados passou de um milhão para 14 milhões.
Fábio Almeida e Giancarlo Barzi / RBS TV