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História Do Candinho Bicharedo
O baio oveiro bragado vai a trote largo em direção ao Plano na manhã ventosa de primavera.
O barulho da cambona contra os tentos e um marcador de talha, vai cantarolando e dando o ritmo alegre de sua jornada, o cavalo tem um toso estilo martelo, testa pelada (sem franja), traz a cola atada em “quatro cachos”. O preparo é trançado de oito com corredores feitos a capricho, afinal tirar tentos e trabalhar em “cordas”, é uma de suas especialidades, o laço com mais de vinte braças atado nos tentos, tanto quanto o preparo também é do seu feitio. Pelego grande, de quem é acostumado a dormir nos galpões, badana couro de veado, poncho emalado na garupa, botas de cano armado estilo militar, sombreiro com copa de tropeiro preso seguro em sua cabeça por um barbicacho de flécos, a bombacha e o casaco de onde sobressai o lenço “chimango,” indicam um índio de respeito e conhecedor da melhor educação campeira.
Lá vai indo, brete afora, o Cândido Melo das Rosas, conhecido em toda fronteira e um bom pedaço do Uruguai como Candinho Bicharedo. Gaúcho de quatro costados, homem de todo serviço, do aramado ao lombo de qualquer xucro, índio guapo e de muita serventia, respeitado em todas as estâncias onde trabalhou e por todos os recantos onde passou como tropeiro. Bem quisto por todos, vai pensando em fazer o pouso nos Aymone, gente especial e mui sua amiga. Com a imaginação fértil que tem, já vai imaginando os causos e acontecimentos dos ltimos dias que vai contar a beira do fogo.
Urbano Lago Villela, poeta e escritor, membro da Academia Uruguaianense de Letras é quem o melhor retratou quando reuniu seus causos num livro editado em 1961 Gauchadas do Candinho Bicharedo Obra que retrata de forma muito fidedigna o dia a dia dos ambientes e dos costumes dos homens do campo, daquela época. A tradição da oralidade na hora do mate nos é trazida pelo autor de uma maneira absolutamente autêntica, dando-nos a impressão, na maioria das vezes de estar presenciando os fatos, por ele narrados com tanta realidade.
Esse personagem que realmente existiu, conhecido em todo este Rio Grande como Candinho Bicharedo, foi nascido e criado na nossa campanha agreste do inicio do século XX. Homem de uma inteligência fora do comum, sabia aproveitar as deixas de casos ou fatos que aconteciam no dia a dia do trabalho campeiro, transformando-os em causos ou proezas que ele dizia ter participado ou presenciado, sempre exagerando um pouco. A fama de contista exagerado, para não dizer mentiroso, viajou no tempo e na imaginação de todos os gaúchos que terminaram por lhe atribuir a maioria dos causos que escutavam.
De acordo com informações que me deu o infelizmente já falecido Sr. Ney Aymone, Candinho nasceu na Colônia das Rosas e tinha pelo menos um irmão, o tantas vezes citado em seus causos, o Mano Bica, que mesmo depois de desaparecido ele seguia usando por testemunha.
-Não dou morto por testemunho- dizia o Candinho. –Taí o falecido Mano Bica e um homem gordo que conheci lá do outro lado (referindo-se ao Uruguai) na estância dos Artola!-
Seu Ney Aymone, mais de uma vez foi categórico ao me afirmar ser o Candinho homem dos arreios, laçador, ginete, bom domador e homem de todo serviço.
Ao que se sabe, Candinho faleceu em Uruguaiana, possivelmente 40 atrás, ainda não conseguimos descobrir onde foi sepultado. Dizia-me seu Ney que no final de sua vida morou aqui pela cidade.
Independente do local de seu sepultamento tenho a certeza que deve estar campereando, na estância grande de Nosso Senhor, montado em seu famoso Tobiano, atirando o laço para curar algum abichado e domando e arrocinando pingos especiais, para a montaria do nosso Patrão Maior.
No retrato do Rio Grande de nossos ancestrais, muitos Candinhos existiram e transmitiram sua sabedoria campeira, contando causos e proezas ao redor dos fogões, felizmente para nós a tradição oral “carregou” até nossos dias essas histórias preciosas, de um tempo que não se repetirá, mas que serviram certamente, para forjar o caráter e correta postura da maioria dos homens de campo que temos hoje.
Tunico Fagundes – 07.10.2013
Credito Foto: Candida e Tairo Aimone