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Menino que nasceu com grave cardiopatia aguarda a transferência para Uruguaiana

Robert Luis Salbego Maia Machado Xavier tem nome longo  de príncipe e resistência de super-herói. De conto de fadas, é só.

A vida do menino de 10 meses foi ambientada, até hoje, em um cenário formado apenas pelas pálidas paredes do hospital.

Após passar por quatro cirurgias, a criança, que sofre da mais grave das cardiopatias – a hipoplasia no ventrículo esquerdo –, tem quadro de saúde estável e há mais de um mês já pode deixar o Hospital da Criança Santo Antônio, em Porto Alegre. Mas, além dos 620 quilômetros que separam a Santa Casa de Misericórdia da residência de Robert, em Uruguaiana, questões burocráticas atravancam a alta. A Justiça já determinou que o Estado e o município da Fronteira Oeste arquem com os custos do tratamento, mas até agora a família não obteve resposta.

O périplo de Robert começou em 3 de abril, quando veio ao mundo na Fronteira, de parto normal, pálido e duro feito pedra de gelo, com o cordão umbilical enrolado no pescoço. A mãe pensava que estivesse morto e, desde então, este medo sempre a acompanhou. Dezessete dias depois, Robert foi transferido de avião para a Capital, passou pela primeira intervenção, teve alta, ficou dois meses em casa, não resistiu e teve de passar por outra cirurgia. A seguir, ficou entubado por quatro meses na UTI.

Todo o esforço para mantê-lo vivo resultou em 15 cicatrizes pelos braços, coxas e barriga, fora um rasgo de 10 centímetros no peito.

– No dia da última (cirurgia), estávamos apreensivos. Ele estava virado em osso. Aí, um médico olhou bem nos olhos dele e disse “oi, guerreiro, tu foi forte até agora e vai ter de ser ainda mais. Vai ter de fazer mais uma lutinha, mas confio em ti. Mostra que tu é guri de Uruguaiana”. Parecia que aquilo era uma ordem para ele – lembrou a mãe.

Não fosse o cateter ligado ao nariz e o aparelho de traqueostomia conectada ao pescoço não se diria que o bebê risonho padecesse de qualquer mal. Já era para estar engatinhando, mas ficar de bruços ainda é complicado para ele, sob pena de infectar o aparelho de traqueostomia ligado ao pescoço.

O menino que só chora quando vê alguém de máscara chegar perto e sorri para todo o resto, faz caretas mudas. Ontem, na hora da fisioterapia, lágrimas silenciosas rolavam pelo rosto.

Mexe os pezinhos – um agasalhado por uma meia soquete, outro preso por um prendedor ligado ao oxímetro (aparelho que mede o nível de oxigênio no sangue) – e as mãos com tamanha coordenação que parece saber que movimentos bruscos são capazes de arrancar fios vitais. Hoje com 51 centímetros de comprimento e 5,7 quilos, Robert está em um quarto do isolamento devido à infecção por uma bactéria poderosa (acinetobacter). De camisa polo e bermuda de sarja, ele põe os dedos na boca e chupa sem parar. Para tudo o que estiver fazendo para assistir ao aparelho de DVD que ganhou das enfermeiras de natal.

http://videos.clicrbs.com.br/rs/zerohora/video/geral/2014/02/bebe-completa-meses-hospital-aguarda-transferencia-para-casa/63631

Em roda dele, está Nívea Maia, 34 anos, mãe zelosa e com o peito partido. Para cuidar do caçula, deixou para trás, em Uruguaiana, o marido Rogério Machado Xavier, 34 anos, e os outros quatro filhos: Willian, 15 anos, Sara, 14 anos, Stefany, 12 anos, e Davi, 10 anos. Na janela do leito, estão coladas fotos da prole. Nívea tem esquecido as idades dos filhos e, por vezes, até o nome. E chora por isso. Faz tratamento psicológico. O abalo de Nívea decorre dos quatro meses que passou na UTI.

– Naquele lugar você vê muita morte. É gente jogada nos corredores, mãe chorando pelo filho que faleceu. Muitas sem terem a chance de dizer “eu te amo” aos seus filhos uma só vez. Muitas desgraças eu vi ali. Este é um mundo de dor e sofrimento – lamenta.


O QUE É?
Hipoplasia no ventrículo esquerdo
• O coração é formado por dois ventrículos, o direito, que manda sangue para o pulmão, e o esquerdo, que irriga todo o restante do corpo.
• A doença de Robert (hipoplasia no ventrículo esquerdo) é a ausência do lado esquerdo do coração, o que dificulta que o órgão bombeie sangue para todo o organismo, apenas para o pulmão.
• Para tentar amenizar os efeitos da doença, são feitas três cirurgias. A primeira logo no nascimento, a segunda, por volta dos quatro meses e a terceira, a partir dos três anos de idade.
• O bebê, de 10 meses, já passou pelas duas primeiras.
• Os procedimentos servem para abrir um canal arterial por meio de um stent (tubo minúsculo e expansível) a fim de forçar que o único ventrículo se mantenha aberto bombeando mais sangue através da aorta e do canal arterial para o resto do organismo.Além disso, também se usa uma técnica para forçar a diminuição de fluxo sanguíneo para o pulmão.
• Os tratamentos são paliativos. Não há cura para a doença.

A batalha de Robert contra o tempo

Com o quadro clínico estável, o menino Robert Xavier já teria condições de receber alta e voltar para Uruguaiana. Mas a saúde frágil do bebê requer cuidados especializados que estão sendo exigidos na Justiça. Ele precisa de um quarto equipado com aparelhos dos quais depende a sua sobrevivência, além dos cuidados de uma equipe multidisciplinar. Sem condições de bancar o padrão de cuidados home care (serviços da área de saúde em ambiente extra-hospitalar), a família já venceu a causa na Justiça e aguarda que o Estado ou o município tomem providências.

Em 29 de janeiro, o juiz da comarca de Uruguaiana deferiu obrigações às secretarias de Saúde do Rio Grande do Sul e de Uruguaiana. Além dos medicamentos, o magistrado ordena que os órgãos paguem itens para o tratamento da criança como gaze e seringas, além de equipamentos como tubo de oxigênio. Também determina a oferta gratuita de fisioterapia respiratória, fonoaudiólogo, enfermeiro e avaliação médica.
Integrante da equipe de Cardiologia Pediátrica do Hospital Santo Antônio, da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre,  a médica intensivista Aline Botta diz que Robert já contrariou todas as expectativas dos médicos e agora precisa ir para a casa, já que, no hospital, é grande o risco de contrair novas infecções.

– Ninguém aqui acreditava que ele ia conseguir tolerar a última cirurgia, e ele conseguiu. A gravidade da doença dele, as inúmeros infecções, desnutrição, tudo isso contava contra. Agora, ele está isolado em um quarto, com uma bactéria resistente e vivendo uma corrida contra o tempo – argumentou Aline.

Prefeitura de Uruguaiana diz não ter estrutura suficiente

Por meio da assessoria de imprensa, a Secretaria Estadual da Saúde informou que está averiguando o caso. No âmbito municipal, Saionara Marques de Almeida Santos, secretária da Saúde de Uruguaiana, afirmou que, na semana passada, profissionais estiveram na casa da família, mas que não encontraram os responsáveis. Disse ainda que está à disposição para fornecer algumas das solicitações, mas que não tem condições de oferecer a maioria dos itens solicitados na ação judicial e que o município não conta com o serviço de home care.

Enquanto isso, a mãe de Robert, Nívea Maia, segue agarrada no filho, vibrando com cada movimento e imaginando o dia que poderá chegar em casa, bajular toda a prole de forma igual e voltar a caminhar fora do ambiente hospitalar.

O PÉRIPLO
• No dia 3 de abril, Robert nasceu de parto normal com 41 semanas de gestação. Foi direto para a UTI e aguardou leito para ser transferido para Porto Alegre até o dia 20 daquele mês, quando foi transportado para a Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre.
• Em seguida, passou pela primeira cirurgia para melhor distribuição do fluxo sanguíneo.
• Em junho, teve alta, embarcou em um carro da família e foi para Uruguaiana.
• Muito magro, pois a doença fazia com que consumisse muita energia, impedindo-o de absorver corretamente os nutrientes, em agosto, teve de retornar à Capital. Mais uma cirurgia de alto risco foi feita.
• Ficou entubado na UTI até dezembro, quando passou por uma traqueostomia (procedimento cirúrgico no pescoço que estabelece um orifício artificial de respiração pela traqueia).
• No final de dezembro, foi liberado para o quarto, onde está em isolamento em virtude da aquisição de uma superbactéria.
• Hoje, o quadro de saúde é estável, e a alta ainda não foi dada por causa da falta de aparelhagem para recebê-lo em casa.

Fonte: Zero Hora

Foto: Ricardo Duarte / Agencia RBS

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